Criança agitada, hiperativa, uma forte tendência insana e uma dicção complicada. Tinha pesadelos constantes, que voltaram ainda piores depois daquele suicídio. E nas fases trêmulas, ao contrário da crença geral de que o sono cura, eu tinha medo porque sonhava com perdas, separações, desencontros, tudo em alta velocidade, catastroficamente ampliados. Em tempos de bonança, eu não queria apagar, simplesmente para poder, aproveitando seus silêncios noturnos, decorar teu semblante, entender como você funcionava para além da incômoda distância do seu olhar. E me surpreende, sempre, como mesmo conhecendo todos os detalhes do seu rosto, tendo de cor todas as suas performáticas feições, eu ainda consigo perceber uma nuance nova, um detalhe inusitado para esmiuçar pela madrugada inteira. Dizem, e eu tenho acreditado, que saber de cabeça é como não saber nada. Você tem de saber com o coração. E então eu lembro daquela senhora, já na casa de seus 70, da maquiagem pesada e perfume forte, doce, enjoado. E eu não conseguia entender o por quê daquelas noites sozinha. Ficava imaginando o que teria acontecido, Onde estariam os filhos, se haviam netos, talvez bisnetos. Se havia alguém. E ela ficava ali, com o rum e o whisky, solitária, emprestando sorrisos e dividindo com o então desolado rapaz um pouco da sua indecifrável sabedoria...a experiência melancólica que carregava, um fardo, uma cruz que fazia questão de arrastar. E faziam 37 anos. E ela mantinha os hábitos contraídos, intactos, postergando aquela angústia da qual havia se tornado dependente. Era uma desaforada, descrente, tendenciosa. Mas em meio aquele sermão desesperançoso, a nefasta expectativa. E esperava. Todos os dias. A partir das 5 da tarde. E a cada dia que passava, ela recriava um desfecho diferente praquela história. Vivia aquilo.E já eram 37 anos. Talvez somente lunática, semi acordada, quase morta. Mas , confesso, cativou meu fascínio. Toda aquela estranheza, aquela mórbida ironia, a falta...da falta. E ela dizia "enquanto você bebe, ela engole um pouco mais da sua alma...como é ridiculo amar alguém". E ria enquanto explicava que a maioria das pessoas não passava de carcaça, que em algum momento da vida, havia perdido a alma. Mostrava a palma da mão e dizia "veja, eu tenho sangue, tenho veias, respiro. Mas não tenho alma. Isso aqui é meu coração...mas ele não bate". Quando eu já ía saindo, tropeçando na minha consciência, ela gritava lá de trás "não esqueça do beijo de boa noite...beije sua menina". Daquela única vez, respondi "Eu sou um insone, minha senhora, eu não durmo". Ela, do alto de toda sua aspereza, se aproximou com um daqueles ovinhos de amendoim na mão. Estendeu em minha direção e disse "Isso também não dorme. Não vive. Isso aqui é o seu coração, e ele não bate" . E gargalhou espalhafatosamente, como de costume. Mas dessa vez fiquei foi puto pra caralho, saí dali pensando "que porra de velha maluca, caralho". Ela me assustava na mesma medida que me intrigava. E que o desespero é o melhor amigo da insanidade, ninguém duvida. Todos os dias, ao apagar as luzes, silenciosamente na minha cabeça eu ensaiava o boa noite. Era involuntário. Parecia praga, eu lembrava do ovinho, da velha, da gargalhada... Era ridiculo, eu sei. Mas eu vivia aquele momento, como se real fosse. Era sim, uma alma enterrada, mas o coração batia.
Hoje, ao beijar teu rosto já adormecido e de fato, dizer boa noite, não consegui dormir. Não que eu ainda precise das doses exageradas, o corpo já flui conforme a natureza. Senti um alívio entusiasmado que provavelmente resultou numa descarga indveida de adrenalina. Quase insônia. E aquela senhora, onde estaria? Senti de novo o cheiro enjoado daquele perfume, os meus sentimentos afogados, perdidos, derrotados... E agora, analisando sua expressão pacífica, aqui ao lado, gestos quase imperceptíveis, silentes, semi ausentes. Tento perceber se é agradável, se te perturba, se incomoda. Quando você esboça um sorriso, há felicidade em seja lá o que for que se passa na sua mente. Ainda bem. E eu ainda preciso, mentalmente, dizer boa noite pra você. Só assim a minha alma dorme, ainda que meus olhos não se rendam. E percebo, ali, entre lençóis, pele e travesseiro, meu coração. E ele bate. Boa noite, meu amor.
Hoje, ao beijar teu rosto já adormecido e de fato, dizer boa noite, não consegui dormir. Não que eu ainda precise das doses exageradas, o corpo já flui conforme a natureza. Senti um alívio entusiasmado que provavelmente resultou numa descarga indveida de adrenalina. Quase insônia. E aquela senhora, onde estaria? Senti de novo o cheiro enjoado daquele perfume, os meus sentimentos afogados, perdidos, derrotados... E agora, analisando sua expressão pacífica, aqui ao lado, gestos quase imperceptíveis, silentes, semi ausentes. Tento perceber se é agradável, se te perturba, se incomoda. Quando você esboça um sorriso, há felicidade em seja lá o que for que se passa na sua mente. Ainda bem. E eu ainda preciso, mentalmente, dizer boa noite pra você. Só assim a minha alma dorme, ainda que meus olhos não se rendam. E percebo, ali, entre lençóis, pele e travesseiro, meu coração. E ele bate. Boa noite, meu amor.
Um comentário:
gostei muito dessa postagem e obrigada pelo comentario da minha postagem...beijos
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